Resenha de O Inverno das Fadas no Electric Beans

Resenha de O Inverno das Fadas no Electric Beans.

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Eram poucos os humanos que viviam com o povo das fadas. Para achar o místico portal dos Sídhes era preciso muita sorte, estar no dia certo e no local estratégico. Com o Samhain, uma das passagens mágicas do ano, alguns humanos poderiam enxergar nas altas colinas os bons vizinhos. A festividade marcava a época em que o véu dos mundos físico e espiritual se tornava mais tênue, fazendo com que fosse fácil para as fadas e os elfos darem uma espiada nos mortais, podendo ouvir seus pensamentos.
O Outro Mundo era um lugar regado de maravilhas e eterna juventude. Lá não existiam doenças e nem fome. Era conhecido pelos Sídhes como Annwn e pelos humanos como Fairyland, essa dimensão era enorme, com diversos governantes: reis e rainhas designados para cuidar do povo e preservá-lo.
No Samhain (o Ano Novo para as bruxas), muitos Sídhes aproveitavam o enfraquecimento do tecido das dimensões para ir à Terra visitar os mortais. Alguns iam em busca de conhecimento, outros para captar boas emoções e alguns para assustar pessoas que mereciam castigos. Já Sophia Coldheart, neta do governador Arawn, ia em busca de amor. A fada era uma Leanan Sídhe, conhecida também como “fada-amante” ou “fada-namorada”. Há décadas vagava pelo mundo em busca de amor, vários. Sophia era forçada pela sua natureza a isso, mas nunca um homem ou mulher seriam fortes o bastante para resistir ao seu encantamento.
Sophia, que na terra dos humanos poderia ser descrita como uma jovem com cerca de dezoito anos, tinha o poder de fazer qualquer ser humano com dons artísticos ser o melhor de sua época e enquanto o homem ou mulher se encantava, Sophia tirava proveito e ia até a sua próxima “caça”, afinal nunca se prendia a alguém. Apaixonar-se estava fora de cogitação: a Leanan rezava para a Deusa que isso nunca acontecesse. Não queria passar pelo sofrimento e temia por sua vida.
“Existiam poucas Leanans no mundo. As que Sophia conhecia normalmente amavam ser daquele modo instintivo e ela não entendia por que também não gostava. Talvez estivesse mesmo precisando de mais um príncipe encantado, afinal, tantos homens haviam passado por sua vida e tantas vidas tinha tirado pelo simples fato de acharem-na boa demais para ser verdade. Algo inalcançável e mágico. Como se todo humano também não fosse um ser incrível, pois ela pensava dessa forma. Tudo para ela parecia fantástico”. (p. 14)
A Leanan não sabia como ainda conseguia se olhar no espelho, pois seu corpo possuía vários riscos negros e desenhados como tatuagens, cada risco representando uma alma que havia possuído: cantores, escritores, pintores e atores. Mas Sophia sabia que se não se envolvesse com um humano, que se não fosse a musa inspiradora de algum artista, sua energia iria se esvair aos poucos, até encontrar a morte. A Leanan precisava ser recarregada, como uma máquina.

E agora mais uma vez um rapaz visitava seus sonhos, atordoando-a. Era bom e ao mesmo tempo enervante. Ouvia seus sussurros em sua mente e sentia-se encantada, envolvida pela voz sedutora do rapaz apaixonado, notando a energia que já corria por suas veias. William Bass era um jovem escritor que recitava versos de amor para a Leanan, sentado à beira do lago Bassenthwaite, na região de Keswick, no condado de Cúmbria, na Inglaterra. Tudo isso fazia parte do processo de sedução e Sophia se sentia péssima por saber que já tinha influência sobre o jovem.

O avô também visualizara o rapaz em seus sonhos e indicara o caminho para Sophia encontrá-lo. O governador preocupava-se com a neta, mesmo sabendo que ela já havia enlouquecido cantores e guitarristas famosos, levando-os a overdoses e ao suicídio. No entanto, Arawn ainda sofria pelo trágico fim que levaram os pais de Sophia: a mãe da garota, uma Leanan, casara-se com o seu filho, um elfo. Este não era o destino de uma Leanan, que deveria se envolver apenas com humanos. A mãe de Sophia viu seu parceiro definhar, o que a fez perder as forças e morrer. Logo em seguida o elfo também faleceu. Os dois sabiam que o amor deles era suicídio, mas a união durou tempo o suficiente para Sophia nascer e, com ela, corria no sangue a marca do amor dos pais, pelo menos era o que o avô pensava e Sophia também.

William não gostava do papo sobre inspiração, aquela conversa sobre sentar uma única vez e escrever uma história achando que está arrasando. O rapaz acreditava que escrever era passar dias e noites lutando com as palavras para um dia conseguir criar algo que modificasse a vida de uma pessoa. No entanto, nos últimos meses andava perturbado. Nunca fora de fantasiar em suas histórias, mas agora inseria seres mágicos nelas. Sabia que em Keswick haviam milhares de lendas sobre Sídhes, um povo sobrenatural ligado às fadas e elfos que viviam no Outro Mundo. Os moradores locais chamavam esses seres de os Bons Vizinhos, o Povo das Fadas, os Nobres ou o Povo, esperando que fossem gentis com eles. Tudo parecia uma besteira, mas ultimamente vinha sonhando com um ser que só podia se tratar de um Sídhe. Era uma criatura maravilhosa e escrevia poemas de amor para ela. De início pensou se tratar de uma ilusão, mas depois de um tempo começara a acreditar que aquela fada incrivelmente bela poderia existir.

O encontro entre Sophia e William não se dá como a Leanan estava acostumada. O rapaz caminhava até ela decidido e com passos rápidos, Sophia sorrira, mas William não contribuíra. A Leanan pensou se o feitiço não estava funcionando. A aproximação dele a intimidou e pela primeira vez teve a sensação de ser beijada por um homem de verdade. Sophia não conseguia compreender, estava completamente submissa ao rapaz e isso não era algo normal. Ela não poderia se entregar aquele humano, mesmo com o íncrivel encontro que tivera, deveria usar o romance para recarregar suas forças e faria isso, precisava.

“- Todos ficamos vulneráveis quando a Deusa está mais presente em nossas dimensões. Mas não se considere uma mera assassina. Você sabe que caça porque segue desígnios. Não há maldade em você, querida. Existe apenas o instinto de sobrevivência de que precisa, e deve ser grata por isso. Todos somos criaturas de algo maior, que nos moldou para ser o que somos”. (p. 50)

Sophia não sentia-se uma fada, mas uma vampira com asas que não merecia viver. O encontro com William a deixara atordoada, pensava nas vidas que se foram por culpa dela, fantasmas a visitavam e as marcas em seu corpo não a deixavam sossegada. O avô temia pela neta e pedia para que Sophia apenas fizesse o seu trabalho.

Enquanto isso, William fora escolhido para representar a cidade no festival de literatura de Cúmbria. Essa era uma ótima oportunidade para Sophia obter energia de William. Por isso a Leanan tentaria passar o máximo de tempo possível ao lado do rapaz em sua forma humana, já que como fada apenas William era capaz de vê-la.

Mas sua presença em Keswick acaba despertando a raiva em algumas pessoas: Louise, um antigo caso de William e Ryan, um de seus melhores amigos, acabam criando o boato de que William está praticando magia e de que Sophia é uma bruxa, histórias que sempre povoaram o imaginário dos moradores locais. Os dois apenas não contavam que isso poderia ter consequências e revelar segredos naquela pacata cidade.

Sophia também não contava com a possibilidade de se apaixonar por William, um amor impossível e entregar ao rapaz um bilhete com as palavras Leanan Sídhe, para que o próprio pudesse pesquisar e tirar suas próprias conclusões.

O amor entre a Leanan e o humano era enorme, mas suicida. E não serão poucos os seres contra essa união, uma união destinada a terminar em tragédia.

“Na ausência dela, William voltava a atenção para a confecção do novo livro. Estava ciente de que toda vez que fazia uma leitura em voz alta do que havia acabado de escrever, Sophia o ouvia. William já entendia a conexão mental que existia entre eles, com isso, aproveitava o dom e escrevia para manter o canal das mentes aberto. Ao mesmo tempo, recarregava ainda mais as energias de Sophia, antecipando o final do relacionamento. A Leanan não sabia mais se valia a pena ser recarregada. Não havia mais sentido nisso”. (p. 134)

O Inverno das Fadas, de Carolina Munhóz é um livro maravilhoso! Adorei a história que envolve tantos elementos e tantas características. É sombrio, misterioso, forte, possui personagens bem desenvolvidos e Sophia é um ótimo exemplo, com um passado que a persegue e a atormenta, tem romance, cenas picantes (na medida certa), descrições maravilhosas sobre locais, roupas, sensações etc., além de uma narrativa super envolvente.

O livro compreende diversos questionamentos e é livre de preconceitos, encanta e faz suspirar, possui uma história bela e mordaz. Super recomendado!